BYD é processada por suspeita de trabalho análogo à escravidão em obra de fábrica na Bahia

Foto: Divulgação/Arquivo/Fábrica da BYD em Camaçari (50 km de Salvador), que deve produzir até 150 mil veículos elétricos por ano

O MPT (Ministério Público do Trabalho) ingressou nesta terça-feira (27) com ação civil pública na Justiça do Trabalho contra a montadora chinesa BYD (Build Your Dreams) e duas empresas terceirizadas que atuavam na construção de fábrica em Camaçari (50 km de Salvador).

As empresas são suspeitas de trabalho escravo e tráfico de pessoas. Em dezembro, uma força-tarefa de órgãos federais afirmou ter identificado 220 operários chineses terceirizados trabalhando em condições consideradas análogas à escravidão nas obras da fábrica da montadora de carros elétricos.

A BYD foi procurada nesta terça, mas ainda não se manifestou sobre a ação movida pelo MPT. Em fevereiro, a empresa afirmou que praticamente todos os pontos levantados durante a fiscalização já haviam sido ou estavam sendo resolvidos.

“A empresa reafirma seu respeito pelas instituições brasileiras e sua disposição em colaborar plenamente com as autoridades para demonstrar que suas operações no país estarão sempre em conformidade com as exigências legais e regulamentares”, disse a empresa na época.

O MPT pediu à Justiça que a BYD e empresas terceirizadas paguem R$ 257 milhões a título de danos morais coletivos, além de um dano moral individual equivalente a 21 vezes o salário contratual dos funcionários, acrescido de um salário por dia a que o trabalhador foi submetido a condições degradantes.

Também foi solicitada a quitação das verbas rescisórias devidas, além de cumprimento das normas brasileiras de proteção ao trabalho. O MPT requereu multa de R$ 50 mil para cada item descumprido pelas empresas, multiplicado pelo número de trabalhadores prejudicados.

Além da BYD, são alvo da ação as empreiteiras China Jinjiang Construction Brazil Ltda e Tonghe Equipamentos Inteligentes do Brasil Co. (atual Tecmonta Equipamentos Inteligentes Brasil Co. Ltda).

As investigações do MPT apontaram que 220 trabalhadores chineses foram encontrados em condição análoga à escravidão. Eles estariam amontoados em alojamentos sem condições de conforto e higiene, com presença de vigilância armada, retenção de passaportes, contratos de trabalho com cláusulas ilegais, jornadas exaustivas e falta de descanso semanal.

Inicialmente, foram resgatados 163 trabalhadores chineses da Jinjiang que atuavam na construção da fábrica da BYD. Depois, outros 57 operários da Tonghe também foram encontrados em situação análoga à escravidão, segundo o MPT.

Ainda segundo o Ministério Público do Trabalho, os 220 trabalhadores chineses que atuavam na obra entraram no Brasil de forma irregular. Eles tinham visto de trabalho para serviços especializados, o que não correspondia às atividades desenvolvidas por eles na obra.

As condições contratuais do vínculo empregatício caracterizavam trabalho forçado, segundo as investigações. Os trabalhadores seriam obrigados a pagar caução, tinham até 70% de seus salários retidos, além de ter seus passaportes retidos pela JinJiang.

A rescisão antecipada do contrato implicava a perda da caução e dos valores retidos, além da obrigação de custear a passagem de volta e restituir o valor da passagem de ida. Na prática, informou o MPT, o trabalhador que rescindisse o contrato de trabalho antes de seis meses deixaria o país sem receber nada pelo seu trabalho.

Conforme antecipado pela Folha, o MPT apresentou em fevereiro uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta para a BYD e as terceirizadas.

As tratativas entre as partes chegaram a avançar, mas houve um recuo das empresas chinesas. A Folha apurou que as companhias queriam condicionar um acordo a uma cláusula de sigilo, o que não foi aceito pelos procuradores.

A ideia era que o acordo servisse como uma espécie de baliza para contratos futuros de empresas chinesas que queiram atuar com trabalhadores do próprio país no Brasil.

A BYD lançou a pedra fundamental para construção da fábrica em outubro de 2023. A montadora chinesa assumiu o parque industrial que era da Ford, que atuou na Bahia entre 2001 e 2021. O complexo industrial será composto por três fábricas, com investimento previsto de R$ 5,5 bilhões e capacidade inicial de produção de 150 mil carros elétricos e híbridos por ano.

João Pedro Pitombo, Folhapress