Desde abril de 2020, que defendo o retorno das aulas neste modelo remoto nas escolas públicas municipais, pois acredito ser possível aprender na própria caminhada como afirma Paulo Freire. A partir da citação desse educador, que a maioria dos cientistas da Educação recorrem quando defendem uma Educação libertária, proponho uma reflexão crítica da situação que nós educadores e educadoras, vivemos com o retorno das aulas em São Sebastião do Passé.
Para tal, trarei o discurso da professora aposentado diante do Plenário da Câmara de Vereadores, no dia 20 de abril, ela que hora ocupa o cargo de Secretária Municipal de Educação. A estimada professora, inicia o seu discurso, apresentando a sua equipe presente: três pessoas. Essa realidade é simbólica, pois mostra como a Educação Municipal trabalha com o reducionismo de pessoal, e isso se reflete nas equipes das unidades escolares, mesmo aquelas consideradas de grande porte.
Convocada por aquela Casa legislativa para prestar contas dos 100 dias de educação a secretária tenta fazer cálculos mirabolantes sobre como somar esse total de dias da sua gestão. Retira os dias santos, feriados, sábados e domingos, esquecendo que nós professores estamos trabalhando todos os sábados, atendendo às orientações do CME, validada por ela. Logo depois a secretária ressalta a responsabilidade dos pais na educação dos filhos, constata a realidade do déficit da gestão anterior, em relação à Educação no ano de 2020, e apresenta uma imagem em slides de “nuvens de palavras” motivacionais e ilusionistas, seguindo com um discurso também motivacional sobre a pandemia trazida pela Covid-19, e conclui essa etapa do discurso afirmando: “O positivo é maior que o negativo”, enquanto os nobres edis assistem boquiabertos, diante da exibição do belíssimo poder da oratória, é peculiar a professora.
Afirma a senhora secretaria que: “Errar é humano, mas repetir os mesmos erros é pedir para apanhar” (grifo nosso) e, trazendo sua crença doutrinária, continua: “A desobediência é o pecado original” e imediatamente retorna ao motivacional: “É na dificuldade que não devemos temer”. A professora é categórica ao afirmar com pesar, a vigência do decreto que impõe os cuidados com o isolamento social e que impõe um regime flexível de trabalho dos gestores escolares, afirmando que “Eu estou louca que acabe logo”.
A representante da Educação Municipal, explica o calendário letivo para o ano 2020/2021, já em andamento para os 6.500 alunos matriculados na rede de ensino, sem qualquer interrupção dos vereadores: nenhuma pergunta, nenhuma dúvida, deixando-a mais à vontade para repreender a plenária com um “PLIM PLIM”, chamando a atenção sobre si mesma e ainda, inclusive, fazer três sugestões de demandas para virararem indicações. Em tom de deboche a secretaria libera a autoria das sugestões, para que os vereadores assumam a patente de suas ideias, apresentadas.
O Ego, toma conta do ambiente e a secretária desfila com afirmações que mais parecem responder às críticas ocultas e silenciadas ao longo desses 100 dias: “Não estamos colocando faca no pescoço dos professores”, frase repetida no discurso eloquente. Delineia as ações da sua secretaria, trazendo explicações para os equívocos de uma gestão nada democrática. Um exemplo disso, foi quando justificou a nomeação dos gestores escolares em janeiro, alegando não ser possível ainda, devido a pandemia, realizar as eleições para escolher democraticamente os gestores. Me ocorre aqui, que essa certeza deveria também ter impedido o pleito que elegeu a prefeita e possibilitou sua nomeação, visto o aumento de casos de contaminação e morte após eleições, aqui em São Sebastião e em todo o país.
Me ocorre também, que nem a prefeita, nem a secretária de Educação, pensaram em nos poupar e proteger destes riscos, quando nos convocou – professores e funcionários públicos – para um cadastramento presencial, ou quando convocou os pais dos 6.500 alunos para a confirmação de matricula, também no formato presencial. Fazer eleição de gestão escolar implica perder o controle de nos oprimir todos os dias, e poder nomear filhos, parente e partidários garantindo assim o domínio e vigília sobre nós nas escolas.
A secretária afirma que o aluno tem duas aulas síncronas por dia, o que não é verdade. Todos os professores tem a incumbência de dar três aulas síncronas no seu turno de trabalho e conforme ela mesmo afirmou, com a sua internet se quiser ficar em casa, como se ficar em casa fosse opção, em tempo de pandemia. Mostra fotos de uma jornada pedagógica esvaziada e enfraquecida, não só pela pandemia, mas também por ter iniciada o retorno sem escutar aos professoras e professores, na tentativa de fazer um evento virtual, com o mesmo critério e metodologia presencial.
Utilizando a leitura corporal, pude perceber a secretária demonstrar descaso em relação aos pedidos de direitos e vantagens que tem mais de 10 anos que não são dados aos professores. Enquanto as mãos delicadas apontam para o distante e para o menor, a voz apega-se à lei, para dizer que: este ano ninguém terá qualquer vantagem salarial, mesmo estando trabalhando de forma atípica, com extrema pressão emocional e sem nenhum apoio da SEDUC.
A secretária não se dando por satisfeita, acrescenta em outro momento à sua frase imagética de efeito: “Ninguém está colocando faca no pescoço dos professores, porque se eles (os professores) não quiserem fazer aula online, eles (os professores e certamente as professoras) podem fazer as atividades impressas e mandar para a escola.” E conclui: “Faz parte do ensino remoto”
Pedindo paciência aos edis, ironiza que demora sua exposição por ser “afinal 100 dias de gestão” e continua: haverá notbook para professores […]MAS TERÃO QUE DEVOLVER SE, SE APOSENTAREM, SE, SE AFASTAREM OU SE, SE MORREREM pois é de propriedade pública”. Ratifica que: “o professor pode ir à escola, para acessar a internet”, omitindo que as escolas, na maioria das vezes, não tem internet para suprir as demandas da secretaria, quanto mais, as demandas pedagógicas dos professores.
O discurso da secretária mostra que ela tem ciência do adoecimento de muitos professores durante a pandemia e que isso se agravou com as pressões desnecessárias de um retorno às aulas remotas abrupto e sem diálogo com a categoria. Essas pressões, são reproduzidas nas escolas por alguns gestores indicados e nomeados, muitos deles para garantir cargos que acreditam ser vitalício, pressionam e oprimem seus próprios colegas de trabalho.
Há casos de professoras planejando pedir diminuição de carga horária, por não conseguirem dar conta das demandas e por não dominarem as tecnologias necessárias para as aulas virtuais. Não é de estranhar essa dificuldade, visto ter a secretaria, aprendido a manusear um Padlet. Há professoras falando em pedir licença sem vencimento, depois de 20 anos de exercício da profissão, devido ao acúmulo de demandas, sem nenhuma ação efetiva de acolhimento. Atrelado a isso, há também muitos professores e professoras que estão sustentando a Educação da rede com suas internets e com suas criatividades e compromissos, mas não houve, no seu pronunciamento, nem uma só palavra de agradecimento e de reconhecimento.
O celular da secretária, segundo ela mesma afirma, é de livre acesso. Exceto, para as pessoas que a criticam, pois ela “blinda”. Parece que a bela professora, com discurso não tão suave como tentou parecer, não entende que o número dos celulares dos professores, das professoras e dos coordenadores, também deixaram de ser privados. O problema aqui é que nós professores e professoras não podemos BLINDAR centenas de pais, responsáveis e alunos que nos ligam diariamente, mesmo que eles nos liguem para nos criticar.
Parece não perceber que as vantagens de ser secretária (gasolina, carro, telefone coorporativo, tiket refeição e um salário maior do que o vencimento de qualquer professor da rede por maior título acadêmico que esse possa ter) a coloca nu: lugar de vantagem e que o seu discurso é de um lugar de poder, que nos olha, mas não nos reconhece como iguais.
Sim: Ela a secretária está certa, quando diz que devolveremos esse maldito notbook que ainda nem sequer recebemos e está certa também em incluir a morte como motivo para essa devolução. Pois, infelizmente, já temos registro de professores que partiram, entre os 72 sebastianenses mortos e que viraram estatística da Covid-19.