Uma professora de filosofia do colégio estadual Thales de Azevedo, em Salvador (BA), recebeu uma intimação para comparecer à Delegacia de Repressão a Crimes contra a Criança e o Adolescente após uma aluna apresentar queixa sobre o conteúdo apresentado em sala de aula, com temas relacionados a questões de gênero, racismo, assédio, machismo e diversidade.
Segundo a APLB (Associação dos Professores Licenciados do Brasil), seção da Bahia, a professora precisou ser levada a um hospital para atendimento médico após receber a intimação e ficar emocionalmente abalada.
A direção da escola divulgou nota de repúdio e afirmou que a intimação fere a liberdade de cátedra e a autonomia pedagógica.
“Infelizmente, as alegações de que os conteúdos curriculares das ciências humanas são de cunho ‘esquerdista’ e os conteúdos de linguagens são de ‘doutrinação feminista’ têm provocado o enviesamento dos conhecimentos historicamente construídos e dos fenômenos sociais, em silenciamento dos docentes”, diz a nota.
Para o colégio, a intimação policial censura o exercício laboral da professora e afronta o corpo docente e a gestão da escola. “Essa situação, portanto, viola o direito profissional e o respeito ao trabalho docente em disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Plano Nacional de Educação”.
A aluna teria procurado a delegacia acompanhada da mãe por discordar dos temas abordados durante as aulas de filosofia. Um grupo de professores da escola afirmou que, antes de registrar a queixa, a aluna tinha um comportamento pouco amistoso e perseguia a professora.
A APLB diz que há tentativas de intimidação, coação e pressão psicológica para “cercear a livre expressão e tumultuar aulas e algumas atividades propostas pelos professores”. Para a associação, essas tentativas são protagonizadas por grupos de extrema direita.
“Não vamos permitir que isso aconteça. Vamos dar todo o apoio para a comunidade escolar do Thales de Azevedo, principalmente à professora que foi intimada, bem como disponibilizar nossos advogados para acompanhá-la no dia da audiência”, disse Rui Oliveira, coordenador da associação.
Além do caso da professora que recebeu a intimação, em agosto um grupo de estudantes e de pais e mães divulgou nota com críticas a professores e palestrantes após a realização de um seminário online pela escola.
A APLB afirma também que, em outra ocasião, a mãe da estudante que procurou a polícia invadiu o espaço de aula online de inglês para exigir explicações sobre a temática apresentada, que na avaliação dela seria feminista.
“A direção da APLB-Sindicato lamenta profundamente as ocorrências e reitera o apoio jurídico e psicológico à professora, exigindo a apuração dos fatos ocorridos”, diz nota da associação.
A entidade promete procurar a Assembleia Legislativa e a Câmara de Vereadores para pedir solidariedade aos profissionais da escola. A direção da escola pede o apoio de entidades e movimentos sociais que defendem a educação pública, gratuita e laica para os professores que estariam sendo perseguidos.
A pesquisa “Valorização da Carreira Docente: um olhar sobre os professores”, do Instituto Península, mostra que os professores brasileiros acreditam em seu papel transformador na vida dos estudantes e da sociedade, têm orgulho da profissão e são realizados profissionalmente. Mais de dois terços deles, no entanto, sentem que a profissão não é respeitada no Brasil e que as políticas públicas voltadas a eles não os valorizam.