As próximas eleições, em 2022, terão uma novidade na disputa. Pela primeira vez o pleito brasileiro contará com a possibilidade das federações partidárias.
O Congresso Nacional derrubou na segunda-feira (27) o veto do presidente Jair Bolsonaro à proposta que permitia que partidos políticos se organizem em uma federação.
O mecanismo permite que os partidos se unam na disputa eleitoral, de forma similar como ocorria com as coligações partidárias, somando tempo de TV e se unindo na hora do cálculo do quociente eleitoral.
A federação e a coligação se assemelham no processo eleitoral, afirma Pedro Fasoni Arruda, cientista político e professor da PUC-SP.
“Durante a campanha, funciona da mesma maneira para a montagem do número de cadeiras, as eleições proporcionais, distribuição do tempo no horário eleitoral, prestação de contas, cálculo do quociente eleitoral, nesse aspecto são idênticas”, afirma.
A diferença é que agora esta união não poderá ficar apenas limitada a campanha nas eleições, como é o caso das coligações. Os partidos que se unirem em uma federação deverão permanecer atuando em conjunto por pelo menos quatro anos.
Outra diferença para as coligações é que na federação a aliança é total, ou seja, os mesmos partidos deverão ser parceiros nas disputas nacionais (Congresso e Presidência) e também nas regionais (governo estadual, prefeitura, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais).
O professor Fasoni Arruda explica que a mudança já vale para a próxima eleição, porque o texto foi aprovado com mais de um ano de antecedência. “Muda completamente todas as articulações que estavam sendo feitas até agora”, diz.
Para ele, essa mudança foi aprovada justamente no momento de maior pulverização no Congresso Nacional.
“Na eleição de 2018 tivemos um número ainda maior de partidos com pelo menos uma cadeira na Câmara ou Senado, cerca de 30 partidos, e alguns destes partidos temem ser extintos, por isso tem interesse nas federações, um mal menor diante do fim das coligações”.
Uma das críticas de uma federação de partidos é que a proposta teria como um dos objetivos dar sobrevida a partidos nanicos que podem ser afetados pela cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho), que entrou em vigor em 2018.
A cláusula de barreira retira dos partidos com baixíssima votação mecanismos essenciais à sua sobrevivência, como os recursos do fundo partidário e acesso a propaganda gratuita na TV e no rádio, além de acesso a estruturas nos Legislativos.
A possibilidade de uma fusão temporária pode amenizar o impacto das cláusulas. A proposta da federação prevê que dois ou mais partidos possam se unir para cumprir a cláusula sem precisar se fundir, já que uma fusão costuma ser um projeto mais complicado e demorado.
Se um ou mais partidos se desligarem, a federação continuaria funcionando até a eleição seguinte, desde que tenha dois ou mais partidos.
Segundo o texto, os partidos poderão ter programa, estatuto e direção comuns, e não têm o funcionamento encerrado após o fim de uma eleição. Somente podem participar de uma federação partidos com registro definitivo.
O cientista político Milton Lahuerta avalia que a mudança é positiva. Segundo ele, que é professor da Unesp, “era algo que se fazia necessário disciplinar no sistema político brasileiro. O modo como os partidos se coligavam e as consequências negativas que isso acaba trazendo”, diz.
“A federação não será só para a disputa da eleição, vai ter vigência por esses quatro anos, só nas outras eleições ela poderá ser redesenhada. Isso garante uma maior coerência no que se refere a relação entre legislativo e o executivo”.
De acordo com Lahuerta, as federações terão uma maior possibilidade de apresentar identidade programática, já que terão atuação conjunta por quatro anos. Como as coligações eram apenas nas eleições, era mais fácil partidos com diferentes interesses se unirem apenas com o intuito eleitoral.
“De certo modo, se cria condições para que partidos históricos possam existir mantendo suas identidades.”
“Quando se começou a trabalhar com a cláusula de barreira não se visava atingir estes partidos que têm uma densidade histórica e programática, ainda que não tenham densidade eleitoral. Se visava atingir as legendas de aluguel”, afirma.
Para ele, a mudança não atrapalha o eleitor que irá votar “como votava anteriormente quando já tinha uma coligação, agora teremos uma federação que terá que se unir em torno de um programa, com coerência nacional”.
Partidos que eram coligados em um determinado estado eram adversários em outros, isso não será mais permitido no caso da federação.
Uma das possibilidades de federação para os próximos quatro anos prevê a união entre Rede, Cidadania e PV, embora as legendas não confirmem oficialmente as negociações.
Roberto Freire, presidente do Cidadania, considera a possibilidade de federações partidárias um avanço porque pode impulsionar a redução do número de partidos existentes no Brasil. Ele lembra que o seu partido votou pelo fim das coligações e a favor das federações.
“Tempos atrás tivemos conversas com o PV sobre uma possibilidade de fusão, mas não prosperou. Podemos agora, com a federação, retomar as conversas, possivelmente”, diz.
Giovanni Mockus, coordenador nacional de finanças da Rede Sustentabilidade e presidente estadual do partido em São Paulo, afirma que a legenda defende as federações “por uma responsabilidade democrática”.
Segundo ele, o partido entende que é importante ter uma legislação que garanta a sobrevivência de partidos ideológicos.
“A gente ainda vai fazer um debate no diretório nacional [sobre a participação em uma federação]. Claro que se abre mais uma opção. Quem está fazendo a articulação é a Heloísa Helena, presidente nacional da Rede, e ela está conversando com os partidos do campo mais progressista.”
Mockus avalia que a concepção da federação surge no momento pré-fusão das legendas, em que havia a necessidade de união, mas o interesse de manter autonomia. “É muito mais sobre funcionamento do partido do que uma ferramenta eleitoral”.
Ele também analisa que muitas legendas irão utilizar este mecanismo para ultrapassar a clausula de barreira a partir da união das chapas.
O deputado Orlando Silva, do PC do B, afirma que o debate sobre federação partidária é uma discussão antiga, pelo menos dos anos 90. Sobre a possibilidade de o partido participar de uma federação, ele diz que a legenda deverá fazer uma rodada de diálogo com legendas do mesmo campo.
“Cabe uma conversa do PSOL ao Cidadania. Aqui e ali a gente conversa informalmente, nunca teve nada formal, porque não existia o instrumento. A minha expectativa é que nos próximos dias conversas com partidos de esquerda e centro-esquerda ocorram para a gente avaliar cenários.”
O cientista político Pedro Fasoni afirma que não dá pra cravar que as federações irão gerar futuras fusões, mas que essa é uma possibilidade. Segundo ele, vai depender muito do desempenho dos partidos nas próximas eleições.
“Se um partido não conseguir atingir a cláusula de barreira e ficar sem representação no Congresso poderá pensar em uma fusão.”
“A questão é saber se os partidos maiores vão concordar com isso. Existem diversas dimensões do conflito partidário, disputas no interior dos partidos, e disputas nos estados que podem ter visões diferentes da direção nacional”.
Em 2018, 14 partidos não conseguiram atingir a cláusula. Alguns só mantiveram seus recursos porque incorporaram outras legendas, como foi o caso do PC do B, que se fundiu ao antigo PPL.
Naquele ano, os partidos teriam que obter ao menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, entre outras regras, para cumprir a cláusula e não perder recursos.
Em 2022 esse índice sobe para 2%. Na eleição de 2026, aumenta para 2,5% dos votos válidos, até chegar a 3% em 2030, distribuídos em pelo menos um terço dos estados.
Tayguara Ribeiro/Folhapress