Beirando os sessenta

A vontade de escrever, sempre surge assim do nada e eu, simplesmente, paro e escrevo. Como agora por exemplo, nesta manhã do Dia do “Índio”, um sábado ensolarado que antecede o dia do meu aniversário de 60 anos. Despertei às 5 da manhã, com pensamentos aleatórios ou conectados por fios de memória que não vejo muita lógica ou quem sabe, ainda prefiro não ver.

Reflito e percebo a morte como intersecção entre esses pensamentos, diante de sessenta anos de vida. Afinal, envelhecer implica em estar mais próximo da morte, coisa que nunca me amedrontou. A morte, também me cometa com os idosos que conheci; da quantidade de avôs e avós que vinculei à minha existência para sanar a ausência de tantos outros.

Meu pai morreu com 54 anos e minha mãe com apenas 35 anos de idade. Portanto, não os vi envelhecer e por isso, envelhecer para mim é uma grande dádiva de Deus. Já meu padrasto, Jaime Arara, faleceu com 74 anos de idade e a ele sou grata por ter me ensinado a honestidade, não cobiçar o que é do outro e primar sempre em falar a verdade. Sempre fui fascinada por idosos e conheci ao longo da minha infância muitos deles.

Vô Benedito substituiu vô “Lalando”, avô paterno que não conheci e que segundo contam, era o cão chupando manga. Já Benedito, era um homem fechado e desconfio que de coração bondoso, quando lembro do pacotinho de bombom enrolado em papel de quitanda que ele vagarosamente abria na esquina da pracinha do São Roque e distribuía para mim e meus irmãos. Vó Isaura, tão serena e silenciosa substituiu a avó materna Eremita e deixou na minha memória a métrica dos fios dos seus cabelos brancos cuidadosamente penteados.

Pedro Ângelo, avô materno, me ensinou histórias e casos que conto até hoje para as crianças que passam por mim e que também foram muitas. Vó Chiquinha e vô Abelardo, eram os avós do caminho da escola. Esses, me ensinaram a compartilhar a fartura, quando me enchiam de carambolas do quintal e moedinhas para a merenda. Chilena e Ana duas tias-avós emprestadas. Com elas criei laços de amor e de empatia até o fim das vidas delas. Uma sempre amorosa e a outra sempre vigilante. Ambas, necessárias em minha juventude.

Dona Ester e Seu Lourenço, como exemplo de amor eterno, exemplo que segui fielmente ao lado de Negão Garcez. Dona Fifia e Dona Benzinha foram duas avós-mães e vizinhas que me sustentaram na ausência materna. Dona Nonô me ensinou a escutar. Com ela eu conseguia ficar em silêncio. Vó Marlene, que eu chamava de Mainha, me ensinou a serenidade e imparcialidade. Essa, ainda sofro o luto pela morte recente. A maioria deles é delas me olharam com olhos de amor e sou muito grata. E então, percebo no decorrer da escrita desse texto, que não é a morte que conecta os meus pensamentos da manhã da véspera do meu aniversário, mas sim um grande sentimento de gratidão.

Considero minha história de vida, digna de um lindo livro de exemplos a serem seguidos, sem falsa modéstia, não por mim , mas pelas memórias que trago comigo de tantas pessoas boas que me sustentaram e me ergueram emocionalmente para que hoje pudesse testemunhar a potência que é o amor na vida das pessoas, independente dos laços consanguíneos . Muitos fizeram a diferença em minha vida e sigo fazendo a diferença na vida de outros.

Assim a vida vale a pena!