
Nos bastidores, por trás das cortinas, a cena teatral de Salvador vive um apagão silencioso. A capital baiana, celeiro de artistas e palco do Teatro Castro Alves (TCA), uma casa de espetáculos histórica, vê seu potencial criativo travado por um fator básico: a falta de espaços para apresentação. Com o TCA fechado para reforma há dois anos, o impacto atinge desde grandes produções nacionais até grupos locais que lutam para se manter em cartaz. E não há, hoje, nenhum outro teatro de médio ou grande porte com estrutura tal qual o Castro Alves, que disponha de 1,5 mil lugares, capaz de preencher esse vazio.
O vácuo que se sente
“Sem espaço, não espalhamos a palavra dessa arte milenar que une vozes, corpos e pensamentos”, lamenta a produtora cultural Piti Canella. Maior palco da cidade, o TCA sempre foi ponto de encontro entre espetáculos grandiosos e emoções coletivas. As portas fechadas dele expõem uma Salvador que deixa de ser rota para peças, apresentações e musicais de grandes públicos. Enquanto isso, outros teatros – como Teatro Jorge Amado, Sesc Casa do Comércio, Faresi (antigo Isba) – se vêem sobrecarregados e muitos artistas acabam sem ter onde se apresentar. O público, por sua vez, é empurrado às escassas alternativas, que, por suportarem um volume pequeno de público, acabam inflacionando os valores dos ingressos.
Alternativas viáveis e (in)visíveis
Em outras capitais, como São Paulo, teatros em shoppings centers são comuns e ajudam a popularizar a arte. Em Salvador, essa realidade nunca se concretizou – talvez a única iniciativa tenha sido o Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura, que fechou em 2021, assim como o antigo Teatro Acbeu.
Propostas para transformar salas de cinema ociosas em teatros esbarram na falta de visão dos empresários, defende Fernando Guerreiro, diretor teatral e presidente da Fundação Gregório de Matos. A lógica parece seguir a velha equação do lucro imediato, como se a arte não fosse também um ativo estratégico para o comércio. Nas escolas, a situação é parecida. Diversas instituições possuem teatros equipados com espaço para 300 pessoas, mas raramente os colocam à disposição da comunidade, alegando custos de manutenção e, claro, a falta de retorno.
Iniciativas que resistem
Aí a resistência surge. Iniciativas com espaços culturais nos bairros, a exemplo do Boca de Brasa que tem três teatros distribuídos pela cidade, provam que ainda é possível. O Teatro Módulo, mantido por uma escola na Pituba, também se destaca como exemplo de gestão ativa e compromisso com a cena local. Há ainda a expectativa por um Teatro Municipal em parceria com a iniciativa privada, mas a prefeitura vem esbarrando justamente na falta de espaços. Esses casos são exceções que confirmam a regra: Salvador precisa de mais palcos e mais incentivo. Sem isso, artistas precisam driblar a precariedade, enquanto a cidade, tão rica em expressão, segue empobrecida de espaços que a traduzam. Porque, como disse Fernanda Montenegro, “quando um ator para o ato teatral, nada fica”.
Por: Ismael Encarnação